sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

FELIZ 2011!!!



"Quando chegou a plenitude dos tempos, fixada pelos insondáveis designios divinos, Deus assumiu a natureza do homem para reconciliá-lo com seu criador".
                                                                                                                                                                                                                       São Leão Magno, papa

Que as graças do mistério do Verbo Encarnado nos sejam luz viva no caminho do ser cristão, no cotidiano.

Um Ano Novo copiosamente por Deus abençoado, são os votos sinceros de Carlos Ferraz e Família.

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

A vestição dos paramentos litúrgicos e as respectivas orações


Mais um interessantíssimo artigo de Dom Mauro Gagliardi vindo da Agência Zenit, sobre Espiritualidade Litúrgica. Dessa vez o tema são as orações que o sacerdote faz (ou faria ou fazia, segundo costume local) antes e durante a paramentação. Que possam os sacerdotes recuperar esse digno costume!

O artigo que apresentamos hoje pretende recordar o antigo costume de acompanhar a vestidura dos paramentos litúrgicos com orações próprias, breves, mas muito ricas em termos bíblicos, teológicos e espirituais. Tal prática tradicional deve ser mantida e não abandonada.

1. Breve revisão histórica
As roupas utilizadas pelos ministros sagrados nas celebrações litúrgicas são derivadas das vestimentas gregas e romanas. Nos primeiros séculos, a forma de vestir das pessoas de uma determinada classe social (os honestiores) foi também adotada para o culto cristão, e esta prática foi mantida na Igreja, mesmo após a paz de Constantino. Como contado por alguns escritores eclesiásticos, os ministros sagrados usavam suas melhores roupas, provavelmente reservadas para a ocasião [1].
Enquanto que na antiguidade cristã as vestimentas litúrgicas diferiam das de uso cotidiano não pela forma particular, mas apenas pela qualidade dos tecidos e decoração particular, no curso das invasões bárbaras, os costumes, e com eles também a forma de vestir dos novos povos, foram introduzidos no Ocidente, levando a mudanças na moda profana. A Igreja, ao contrário, manteve essencialmente inalteradas as roupas usadas pelos sacerdotes nos cultos públicos; foi assim que as vestimentas de uso cotidiano acabaram por se diferenciar das de uso litúrgico. Na época carolíngia, finalmente, os paramentos próprios de cada grau do sacramento da ordem foram definitivamente definidos, assumindo a aparência que conhecemos hoje.

2. Função e significado espiritual
Além das circunstâncias históricas, os paramentos sacros têm uma função importante nas celebrações litúrgicas: primeiramente, o fato deles não serem usados no cotidiano, tendo assim um caráter cultual, ajuda-nos a romper com o cotidiano e suas preocupações, no momento da celebração do culto divino. Além disso, as formas largas das vestimentas, como por exemplo da casula, põem em segundo plano a individualidade de quem as veste, enfatizando seu papel litúrgico. Pode-se dizer que a “ocultação” do corpo do ministro sob as vestes, em certo sentido, despersonaliza-o, removendo o ministro celebrante do centro, para revelar o verdadeiro Protagonista da ação litúrgica: Cristo. A forma das vestes, portanto, lembra-nos que a liturgia é celebrada in persona Christi, e não em próprio nome.
Aquele que exerce uma função de culto não atua como indivíduo por si mesmo, mas como ministro da Igreja e como instrumento nas mãos de Jesus Cristo. O caráter sagrado dos paramentos provém também do fato de que são vestidos conforme prescreve o Ritual Romano.
Na forma extraordinária do Rito Romano (de São Pio V), a vestidura dos paramentos litúrgicos é acompanhada por orações relativas a cada veste, orações cujo texto ainda pode ser encontrado em muitas sacristias. Ainda que estas orações não sejam mais prescritas (mas nem tampouco proibidas) da forma ordinária do Missal emitido por Paulo VI, seu uso é aconselhável, uma vez que ajudam nas preparações e no recolhimento do sacerdote antes da celebração do Sacrifício Eucarístico.
Para confirmar a utilidade destas orações, note-se que elas foram incluídas no Compendium Eucharisticum, recentemente publicado pela Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos [2]. Além disso, pode ser útil lembrar que Pio XII, por decreto de 14 de janeiro de 1940, concedeu uma indulgência de cem dias para cada oração.

3. As vestimentas litúrgicas individuais e as orações que acompanham sua vestidura
1) No início da preparação, o sacerdote lava as mãos, recitando uma oração especial; além da questão de higiene, este ato tem também um significado simbólico profundo, representando a passagem do profano ao sagrado, do mundo do pecado para o puro Santuário do Altíssimo. Lavar as mãos equivale, de certa forma, a retirar as sandálias diante da sarça ardente (Êxodo 3:5). A oração se refere a esta dimensão espiritual:

Da, Domine, virtutem manibus meis ad abstergendam omnem maculam; ut sine pollutione mentis et corporis valeam tibi servire.

(Dai às minhas mãos, Senhor, o poder de apagar toda mácula: para que eu vos possa servir sem mácula do corpo e da alma) - (Da’, o Signore, alle mie mani la virtù che ne cancelli ogni macchia: perché io ti possa servire senza macchia dell’anima e del corpo) [3].

À lavagem das mãos se segue a vestidura propriamente dita.

2) Inicia-se com o amito, um pano retangular de linho dotado de duas fitas, que repousa sobre os ombros junto ao pescoço. O amito destina-se a cobrir, ao redor do pescoço, a vestimenta utilizada diariamente, ainda que se trate do hábito do sacerdote. Nesse sentido, é preciso lembrar que o amito também é usado quando se está vestido com roupas de estilo moderno, que muitas vezes não apresentam uma grande abertura em torno do pescoço. De qualquer forma, portanto, as roupas comuns permanecem visíveis e por isso é preciso cobri-las também, nestes casos, com o amito [4].
No Rito Romano, o amito é vestido antes da alva (túnica). Ao vesti-lo, o sacerdote recita a seguinte oração:

Impone, Domine, capiti meo galeam salutis, ad expugnandos diabolicos incursus.
(Colocai, Senhor, na minha cabeça o elmo da salvação para que possa repelir os golpes de Satanás) - (Imponi, Signore, sul mio capo l’elmo della salvezza, per sconfiggere gli assalti diabolici).

Com referência à carta de São Paulo aos Efésios 6.17, o amito é interpretado como "o elmo da salvação”, que deve proteger o portador das tentações do demônio, em especial de pensamentos e desejos malévolos durante a celebração litúrgica. Este simbolismo é ainda mais evidente no costume seguido desde a Idade Média pelos monges beneditinos, franciscanos e dominicanos, entre os quais o amito era posicionado sobre a cabeça e deixado recair sobre a casula ou a dalmática.

3) A alva consiste na veste longa e branca utilizada por todos os ministros sagrados, e que representa a nova veste imaculada que todo cristão recebe mediante o batismo. A alva é portanto um símbolo da graça santificante recebida no primeiro sacramento, e é considerada também um símbolo da pureza de coração necessária para o ingresso na graça eterna da contemplação de Deus no céu (cf. Mateus 5:8). Isso é expresso na oração recitada pelo sacerdote enquanto veste a peça, oração que se refere ao Apocalipse 7,14:

Dealba me, Domine, et munda cor meum; ut, in sanguine Agni dealbatus, gaudiis perfruar sempiternis.
(Revesti-me, Senhor, com a túnica de pureza, e limpai o meu coração, para que, banhado no Sangue do Cordeiro, mereça gozar das alegrias eternas) - (Purificami, Signore, e monda il mio cuore, perché purificato nel Sangue dell’Agnello, io goda degli eterni gaudi).

4) Sobre as vestes, na altura da cintura, é colocado o cíngulo, um cordão de lã ou outro material apropriado, que é usado como cinto.
Todos os oficiantes que portam a alva devem também portar o cíngulo (esta prática tradicional é hoje frequentemente ignorada) [5].
Para diáconos, sacerdotes e bispos, o cíngulo pode ser de cores diferentes, de acordo com o tempo litúrgico ou a memória do dia. No simbolismo das vestes litúrgicas, o cíngulo representa a virtude do auto-controle, que São Paulo enumera entre os frutos do Espírito (cf. Gálatas 5:22). A oração correspondente, como na Primeira Carta de Pedro 1,13, diz:

Praecinge me, Domine, cingulo puritatis, et exstingue in lumbis meis humorem libidinis; ut maneat in me virtus continentiae et castitatis.
(Cingi-me, Senhor, com o cíngulo da pureza, e extingui nos meus rins o fogo da paixão, para que resida em mim a virtude da continência e da castidade) - (Cingimi, Signore, con il cingolo della purezza e prosciuga nel mio corpo la linfa della dissolutezza, affinché rimanga in me la virtù della continenza e della castità).

5) O manípulo é um paramento litúrgico usado nas celebrações da Santa Missa segundo a forma extraordinária do Rito Romano; caiu em desuso nos anos da reforma litúrgica, embora não tenha sido abolido. É semelhante à estola, mas de menor comprimento, inferior a um metro, e é fixado por meio de presilhas ou fitas como as da casula. Durante a Santa Missa em sua forma extraordinária, o celebrante, o diácono e subdiácono o portam sobre o antebraço esquerdo. É possível que este paramento derive de um lenço (mappula) utilizado pelos romanos amarrado ao braço esquerdo. Uma vez que era utilizado para enxugar as lágrimas e o suor da face, escritores eclesiásticos medievais atribuíram ao manípulo um simbolismo associado às fadigas do sacerdócio. Esta leitura também está presente na oração de sua vestidura:

Merear, Domine, portare manipulum fletus et doloris; ut cum exsultatione recipiam mercedem laboris.
(Fazei, Senhor, que mereça trazer o manípulo do pranto e da dor, para que receba com alegria a recompensa do meu trabalho) - (O Signore, che io meriti di portare il manipolo del pianto e del dolore, affinché riceva con gioia il compenso del mio lavoro).

Como se vê, no início da oração mencionam-se as lágrimas e a dor que acompanham o ministério sacerdotal, mas a segunda parte do texto refere-se aos frutos do próprio trabalho. Não será fora de propósito recordar a passagem de um salmo que pode ter inspirado esta segunda simbologia referente ao manípulo, visto que a Vulgata assim apresentava o Salmo 125,5-6: " Qui seminant in lacrimis inexultatione metent; euntes ibant et flebant portantes semina sua, venientes autem venient inexultatione portantes manipulos suos" (grifo nosso).

6) A estola é o elemento distintivo de um ministro ordenado e é sempre usada na celebração dos sacramentos e sacramentais. É uma faixa de tecido, em geral bordado, cuja cor varia de acordo com o tempo litúrgico ou o dia santo. Ao vesti-la, o sacerdote recita a seguinte oração:
Redde mihi, Domine, stolam immortalitatis, quam perdidi in praevaricatione primi parentis; et, quamvis indignus accedo ad tuum sacrum mysterium, merear tamen gaudium sempiternum.
(Restitui-me, Senhor, a estola da imortalidade, que perdi na prevaricação do primeiro pai, e, ainda que não seja digno de me abeirar dos Vossos sagrados mistérios, fazei que mereça alcançar as alegrias eternas) - (Restituiscimi, o Signore, la stola dell’immortalità, che persi a causa del peccato del primo padre; e per quanto accedo indegno al tuo sacro mistero, che io raggiunga ugualmente la gioia senza fine).

Dado que a estola é um paramento de suma importância, indicando mais do que qualquer outro a condição de ministro ordenado, não se pode deixar de lamentar o abuso, já largamente difundido, por parte de alguns sacerdotes, que não a usam em conjunto com a casula [6].

7) Finalmente, veste-se a casula ou planeta, a vestimenta característica daqueles que celebram a Santa Missa. Os livros litúrgicos usavam as duas palavras, em latim casula e planeta, como sinônimos. Enquanto o nome planeta foi usado em particular em Roma e acabou por permanecer na Itália, o nome casula deriva da forma típica da vestimenta, que originalmente circundava todo o corpo do ministro sagrado que a portava. O uso da palavra “casula” também é encontrado em outros idiomas: "Casulla”, em espanhol, “Chasuble” em francês e em Inglês, "Kasel" em alemão. Oração para vestidura da casula remete ao convite de Colossenses 3:14: “Sobretudo, revesti-vos do amor, que une a todos na perfeição”. E, de fato, a oração com a qual se veste a casula cita as palavras do Senhor contidas em Mateus 11,30:
Domine, qui dixisti: Iugum meum suave est, et onus meum leve: fac, ut istud portare sic valeam, quod consequar tuam gratiam. Amen.
(Senhor, que dissestes: O meu jugo é suave e o meu peso é leve, fazei que o suporte de maneira a alcançar a Vossa graça. Amém) - (O Signore, che hai detto: Il mio gioco è soave e il mio carico è leggero: fa’ che io possa portare questo [indumento sacerdotale] in modo da conseguire la tua grazia. Amen).

Em conclusão, espera-se que a redescoberta do simbolismo associado aos paramentos e suas orações incentive os sacerdotes a retomar a prática da oração durante a vestição, de modo a se preparar com o devido recolhimento à celebração litúrgica. Se é verdade que é possível rezar com diferentes orações, ou ainda simplesmente elevando a mente a Deus, por outro lado, os textos da oração de vestição trazem a brevidade, a precisão de linguagem, a inspiração da espiritualidade bíblica e o fato de que são rezados pelos séculos por um número incontável de ministros sagrados. Estas orações são recomendadas ainda hoje, para a preparação da celebração litúrgica, e também realizadas de acordo com a forma ordinária do Rito Romano.

Notas [originais em italiano]
[1] Cf. ad esempio san Girolamo, Adversus Pelagianos, I, 30.
[2] Edito dalla LEV, Città del Vaticano 2009, pp. 385-386.
[3] Riprendiamo il testo delle preghiere dall’edizione del Missale Romanum emanato nel 1962 dal beato Giovanni XXIII, Roman Catholics Books, Harrison (NY) 1996, p. lx. La traduzione in italiano delle preghiere è nostra.
[4] La Institutio Generalis Missalis Romani (2008) al n. 336 permette di non assumere l’amitto quando il camice è confezionato in maniera tale da coprire completamente il collo, nascondendo la vista dell’abito comune. Di fatto, però, avviene di rado che l’abito non sia visibile, anche solo parzialmente; di qui la raccomandazione ad utilizzare comunque l’amitto.
[5] Lo stesso n. 336 della Institutio del 2008 prevede la possibilità di omettere il cingolo, se il camice è confezionato in maniera tale da aderire al corpo senza di esso. Nonostante questa concessione, bisogna riconoscere: a) il valore tradizionale e simbolico dell’uso del cingolo; b) il fatto che difficilmente il camice – sia in foggia più tradizionale, che soprattutto nei tagli più moderni – aderisce da sé al corpo. Se la norma prevede la possibilità, essa dovrebbe però restare piuttosto ipotetica in via di fatto: in concreto, il cingolo risulta sempre necessario. A volte si trovano oggi dei camici che hanno il cingolo incorporato: una fettuccia di stoffa unita al camice per mezzo di una cucitura all’altezza della vita e che si annoda al momento della vestizione: in questi casi la preghiera sul cingolo può essere recitata mentre si annoda. Resta però di gran lunga preferibile la forma tradizionale.
[6] «Il Sacerdote che porta la casula secondo le rubriche non tralasci di indossare la stola. Tutti gli Ordinari provvedano che ogni uso contrario sia eliminato»: Congregazione per il Culto Divino e la Disciplina dei Sacramenti, Redemptionis Sacramentum, 25 marzo 2004, n. 123.







sábado, 25 de dezembro de 2010

Como devem comungar os Ministros Extraordinários da Comunhão Eucarística



Escrito por João Batista   

No momento do início da Comunhão Eucarística, é comum ver que os Meces (Ministros Extraordinários da Comunhão Eucarística) sobem ao Presbitério e são os primeiros a receberem a Sagrada Comunhão para que possam imediatamente exercer seu ministério de leigo na Comunhão Sacramental dos fiéis, auxiliando assim o Sacerdote, sempre que o número de fiéis se torna maior. O que chama muito a atenção e que é visto de forma bastante generalizada é a forma com que comungam. Veja se na sua paróquia acontece da forma como vamos expor, caso aconteça assim, é necessário orientar de forma urgente todos os que assim comungam e encontrar formas possíveis de se cumprir o que a Igreja nos pede e ensina sobre o mais excelso momento da vida eclesial.

Hoje em dia é muito comum que os Meces subam ao Presbitério e se aproximam da Sagrada Comunhão, recebendo-A na Mão e fazendo a efusão por si mesmos no Cálice Sagrado e depois A levam na boca. Esta forma não é uma forma correta de se receber o Santo Sacramento do Altar. Não bastando não ser a forma correta, a Igreja nos ensina que isto é um erro grave e que deve ser urgentemente corrigido. Vejo o que nos ensina a Igreja, através da Instrução Redemptionis Sacramentum, da Sagrada Congregação para o Culto Divino, em seu número 94:

“Não está permitido que os fiéis tomem a hóstia consagrada nem o cálice sagrado «por si mesmos, nem muito menos que se passem entre si de mão em mão».”

Mas, então, qual a forma podemos seguir que não contrarie os ensinamentos católicos sobre a administração da Sagrada Comunhão?

Uma forma de se fazer a Comunhão dos Meces, até mesmo para que sirvam de Catequese para toda a Assembleia é dar apenas a Comunhão sob a forma de pão, como normalmente é administrada para toda a Assembléia, na boca ou na mão conforme a intenção do próprio comungante.

Outra forma é utilizar-se do auxílio pelos Acólitos ou coroinhas. O Sacerdote, enquanto segura o Cálice do Sangue do Senhor, um Acólito o auxilia segurando o vaso coms as Hóstias Sagradas e um terceiro Acólito ou Coroinha, seguraria a bandeija para evitar que matéria eucarística caia no chão. E o Sacerdote pegaria o Corpo e por intinção no Cálice, administraria o Corpo e o Sangue do Senhor ao Meces. Lembrando que desta forma só se admite a comunhão na boca e nunca na mão dos comungantes.

Não queremos aqui acusar ninguém, nem Meces nem padres que fazem desta forma, mas o nosso desejo é que todos aprendam conforme a Santa Igreja nos ensina e saibamos a partir disso ter um renovado ardor e zelo eucarístico. Tudo isso eleva o nosso próprio entendimento sobre a exata dimensão deste mais excelso Sacramento Divino.

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Vida Eucarística


Caros irmãos e irmãs, amar a Santa Liturgia é amar, em primeiro lugar, o Santíssimo Sacramento do Altar, por isso, trazemos hoje um excelente artigo sobre a Vida Eucarística.


Vida Eucarística: Cristo vive



Por José Manuel Iglesias


“Os milagres da multiplicação dos pães – quando o Senhor pronunciou a bênção, partiu e distribuiu os pães por meio dos seus discípulos para alimentar a multidão – prefiguram a superabundância deste pão único da sua Eucaristia” .
(Catecismo da Igreja Católica, n. 1335)

“Tens de conseguir que a tua vida seja essencialmente – totalmente! – eucarística”.
(São Josemaria Escrivá, Forja, n. 826)

Na sinagoga de Cafarnaum, Jesus conversa com a gente que veio ao seu encontro: Em verdade, em verdade vos digo: vós me buscais, não porque vistes os milagres, mas porque comestes dos pães e ficastes saciados (Jo 6, 26).
Se nos sentirmos protagonistas do peregrinar de Jesus pelos arredores do lago de Tiberíades, perceberemos que o milagre com que Ele alimentou mais de cinco mil pessoas com cinco pães de cevada e dois peixes é uma amostra do seu poder e do seu amor: em Jesus palpita o anelo de alimentar, ao longo da história, as multidões de fiéis que o procuram famintas do Pão da vida. O impacto da multiplicação dos pães e dos peixes foi forte. Reza assim ao Senhor o autor de Forja: “Senhor, se aqueles homens, por um pedaço de pão – embora o milagre da multiplicação tenha sido muito grande –, se entusiasmam e te aclamam, que não deveremos nós fazer pelos muitos dons que nos concedeste, e especialmente porque te entregas a nós sem reservas na Eucaristia?” (1)
Essa entrega imensamente amorosa do Senhor exige muita fé e muita graça de Deus: Ninguém pode vir a mim se o Pai, que me enviou, não o trouxer... (Jo 6, 44); e aquelas pessoas não entenderam o milagre do Mestre, que as tinha alimentado para que cressem nAquele que me enviou.
Mas que milagre fazes tu para que o vejamos e acreditemos em ti? (Jo 6, 29-30). Esqueceram bem depressa o entusiasmo que se apossara delas. Não se abriram com humildade ao Senhor... Fecharam-se nos seus preconceitos.

“DÁ-NOS SEMPRE DESSE PÃO!”

Mas quanto mais nós, os homens, nos encerramos nos nossos preconceitos e no esquecimento das coisas de Deus, mais Jesus nos mostra quem Ele é e o seu desejo de se dar em comida aos homens.
Os discípulos esquecem logo que também na véspera o tinham visto caminhar sobre o mar embravecido... E esquecem que o tinham ouvido gritar: Sou eu, não temais! Vence as leis físicas, domina por direito próprio os elementos. Pode andar por todos os mares tempestuosos da terra como “Aquele que é” (cfr. Êx 3, 13-15), como o dono, o amo, o Senhor. Pode vencer todas as incredulidades humanas. Pode salvar-nos a todos: SOU EU, Deus convosco! Por que temer?
Agora, na sinagoga, diz-lhes: Procurai não o alimento que perece, mas o alimento que permanece até à vida eterna (Jo 6, 27). E sem o pretenderem, são eles próprios quem provoca que Jesus prometa já abertamente a Eucaristia. Ufanos da sua tradição, introduzem no diálogo o tema do pão do céu, o maná – alimento que os seus antepassados recolhiam diariamente no deserto –, símbolo dos bens messiânicos; alusão que Jesus aproveita para apresentar-se como o Pão da vida. O maná era apenas uma figura: Moisés não vos deu o pão do céu; é meu Pai quem vos dá o verdadeiro pão do céu: porque o pão de Deus é o pão que desce do céu e dá a vida ao mundo (Jo 6, 32-33).
E também são eles que lhe pedem: Senhor, dá-nos sempre desse pão (Jo 6, 34).
Respondeu-lhes Jesus: Eu sou o pão da vida: aquele que vem a mim não terá fome, e aquele que vem a mim jamais terá sede. E nessa promessa eucarística surge o imutável EU SOU divino: EU SOU o pão que desci do céu (Jo 6, 35.41).
E volta a cegueira dos ouvintes: Murmuravam então dele os judeus, porque dissera: “Eu sou o pão que desci do céu” (Jo 6, 41). A essa cegueira responde Jesus com palavras reiterativas, terminantes e claras: Eu sou o pão..., a minha carne é vida do mundo... EU SOU, uma vez mais afirmado de um modo preciso e inquestionável.

“É A MINHA CARNE”

Quantas vezes nos mostram os Evangelhos esse EU SOU de Jesus! É desse modo que se designa o Nome de Deus no livro do Êxodo, quando Moisés pergunta ao Senhor como se chama: Eu sou aquele que é... Assim responderás aos filhos de Israel: EU SOU manda-me a vós (Êx 3, 14). É especialmente significativo que Cristo use essa expressão com tanta freqüência: Eu sou a luz do mundo (Jo 8, 12). Se não crerdes que eu sou, morrereis nos vossos pecados (Jo 8, 24). Quando levantardes ao alto o Filho do homem, então sabereis que eu sou (Jo 8, 28). Antes que Abraão nascesse, eu sou (Jo 8, 58). Desde agora vo-lo digo, antes que suceda, para que, quando suceder, creiais que eu sou (Jo 13, 19). E quando Caifás lhe perguntou: “És tu o Messias, o Filho de Deus bendito?”, Jesus disse: “Eu o sou, e vereis o Filho do homem sentado à direita do poder de Deus, vindo sobre as nuvens do céu” (Mc 14, 62). Então perguntaram todos: “Logo, tu és o Filho de Deus?” Respondeu-lhes: “Sim, eu sou” (Lc 22, 70). Textos que manifestam claramente que Jesus se identifica com Deus.
Aqui, no âmbito da promessa da Eucaristia, Jesus, EU SOU, Deus humanado, desvenda os desígnios do seu amor: quer permanecer entre os homens como alimento e vida das almas, sob a forma de pão: é a minha carne. Nessa ocasião, chega a repetir oito vezes a palavra comer, mostrando que se trata de uma realidade. Eis o que diz o teólogo Jean Galot:
“Se Cristo pôde dizer com toda a verdade Isto é a minha carne, é porque tinha um poder soberano sobre todas as coisas criadas, um poder capaz de transformar um ser em outro, de substituir uma realidade antiga por outra nova. Não somente era dono da sua existência, mas do próprio ser . Porém, o nome “Eu sou” não exprime apenas a plenitude do ser e a sua continuidade, o poder e a eternidade. Significa também uma presença . Presença é mais do que existência . Estar presente é existir para alguém, estar perto dele, diante dele. A presença está impregnada do calor de um amor. Também Yahveh, quando diz a Moisés Eu sou, comunica-lhe uma intenção amorosa: Eu serei, Eu estou contigo...
“Quando Cristo atribui a si próprio esse nome divino, fá-lo para mostrar a sua identidade de Filho de Deus, para afirmar a plenitude do ser que possui, a sua onipotência e a sua eternidade. Identifica-se com Deus de tal maneira que se deve crer nEle do mesmo modo que se crê em Deus... Com o Salvador, a eternidade do Eu sou entra plenamente na História humana, no tempo humano. Entra como uma presença oferecida aos discípulos, presença que os assiste em todos os momentos e de uma maneira indefectível”. (2)

 “NÃO HÁ NADA DE MAIS VERDADEIRO”

Quando, na véspera da sua morte, Jesus disser diante dos seus: Isto é o meu corpo... Este é o meu sangue (cfr. Mt 26, 26; Mc 14, 22; Lc 22, 19; 1 Cor 11, 25), usará as palavras no mesmo sentido em que disse: Quem comer a minha carne e beber o meu sangue permanecerá em mim e eu nele (Jo 6, 56). Para um semita, a palavra “carne” designa o corpo vivo, quer dizer, a pessoa toda que se torna presente nesse corpo vivo. Quando Jesus diz: Esta é a minha carne, indica a presença de todo o seu “Eu”: corpo vivo, alma e divindade. “O que o Verbo assumiu, nunca mais o deixou”: é um princípio teológico que nos diz que a alma e a divindade de Cristo estão indissoluvelmente unidos ao seu Corpo.
As palavras reiterativas de Jesus: comer o meu corpo..., beber o meu sangue... foram entendidas pelos judeus de um modo tão realista que se fez um silêncio terrível quando as pronunciou na sinagoga de Cafarnaum: pensaram que se tratava de uma espécie de antropofagia. Desconcertados, cravam o olhar em Jesus e depois dão rédea solta à ironia: Os judeus começaram a discutir, dizendo: Como pode este homem dar-nos a comer a sua carne? (Jo 6, 52).
Por fim, estala o tumulto e ouvem-se vozes incrédulas: Duras são estas palavras! Quem as pode ouvir? (Jo 6, 60). E acabam por ir-se embora: Desde então, muitos dos seus discípulos se retiraram e já não andavam com ele (Jo 6, 66).
A passagem da promessa da Eucaristia finaliza com uma afirmação de Pedro: Senhor, tu tens palavras de vida eterna! (Jo 6, 68). Das palavras que se dizem a mandado do Senhor na Consagração: Isto é o meu corpo..., Este é o meu sangue, dirá São Tomás de Aquino: “Nihil hoc verbo veritatis verius” – “nada há de mais verdadeiro que estas palavras de verdade”.
“Este é o Eu sou que se nos entrega na Missa. Se pensarmos que Jesus fez a sua afirmação mais solene precisamente na véspera da sua Paixão, compreenderemos melhor que essa afirmação esteja na base do sacrifício eucarístico. Quando a oferenda do Calvário se torna novamente atual, apóia-se na atualidade do Eu sou.
“Na fórmula da Consagração – Isto é o meu corpo –, aflora a soberania do Eu sou. Existe um mistério do ser na Consagração, mistério da transformação de um ser em outro, mistério da existência de Cristo sob as aparências do pão .
“A Missa é por excelência o momento e o lugar da presença divina neste mundo. Vem eternizar a nossa vida humana submetida ao desgaste do tempo. A Missa é a nova irrupção no humano do ser divino, que cada dia torna o universo e a humanidade mais parecidos com Ele.
“Pela Missa, a presença divina invade mais e mais o meio humano e até o mundo material. Encaminha o universo para o termo da sua evolução, a fim de que nesse estágio final Deus possa ser tudo em todos (1 Cor 15, 28)”. (3)

“ELE ESTÁ AÍ E TE CHAMA!”

Cristo presente na Eucaristia não é diferente daquele que aparece no Evangelho, irradiando o bem, fazendo-se querer, demonstrando-nos quanto nos ama, ganhando a intimidade de cada coração. Os encontros pessoais narrados pelo Evangelho prosseguem com cada vinda do Senhor aos nossos altares. Quando diz a Marta: Uma só coisa é necessária (Lc 10, 42), diz-nos o mesmo do fundo do Sacrário: “Só Deus basta”. Quando Pedro lhe observa no Tabor: Como é bom estarmos aqui! (cfr. Mt 17, 4; Mc 9, 5; Lc 9, 33), exprime um sentimento que bem pode ser o nosso diante da sua presença na Eucaristia, não menos real que na Transfiguração. E no convívio com os nossos colegas e amigos, temos de saber dizer-lhes, de maneira apropriada a cada caso: O Senhor está aí e te chama (Jo 11, 28). E quando notarmos que as multidões têm fome de paz, de justiça, de felicidade, é porque nos dizem, como os gregos que se aproximaram de Filipe: Queremos ver Jesus (Jo 12, 21), e temos de levá-los até onde Ele está: até o sacramento da Eucaristia.
O “rosto humano de Deus” que aparece em todas as páginas do Evangelho é o mesmo que, com “cara de pão”, derrama bondade na Missa e a irradia de cada Sacrário. Se durante a sua existência passou fazendo o bem (At 10, 38), também agora, como há dois mil anos, nos mostra o seu coração acolhedor, discreto, delicado. E, mais em silêncio e escondido, anima-nos a procurá-lo com a humilde confiança daquele leproso que lhe pedia: Senhor, se quiseres, podes limpar-me (Mt 8, 2). Ou a repetir-lhe com os meninos hebreus: Bendito o que vem em nome do Senhor! (Mt 21, 9). Ou a dizer-lhe com a fé do cego Bartimeu: Jesus, Filho de Davi, tem compaixão de mim! (Mc 10, 47), e Senhor, faz com que eu veja! (Mc 10, 51).
Ou, se nos sentimos secos e de alma muda, e sem saber que dizer-lhe, nem que agradecer-lhe, pedimos-lhe como o outro discípulo: Senhor, ensina-nos a orar (Lc, 8, 44). Ou imploramos como os Apóstolos: Aumenta-nos a fé! (Lc 17, 45). Ou manifestamos singelamente, com a confiança robustecida daquele pai que suplica a cura do seu filho: Creio, Senhor, mas vem em ajuda da minha incredulidade (Mc 9, 24). Ou rogamos em uníssono com Marta e Maria: Senhor, aquele que amas está doente (Jo 11, 3). Ou confessamos com o coração contrito e compungido, como Pedro às margens do lago de Tiberíades, recordando-se da sua tríplice negação: Senhor, tu sabes tudo. Tu sabes que eu te amo! (Jo 21, 17).
Como agradará ao Senhor, sempre que estejamos diante do Santíssimo Sacramento ou depois de comungarmos na Missa, que – com a humildade, confiança, fé, contrição e simplicidade de novos leprosos, cegos ou doentes que somos – lhe falemos como fizeram os personagens do Evangelho! Ele é o mesmo daquele tempo... e nós tão miseráveis ou mais que eles! “A presença de Jesus vivo na Hóstia santa é a garantia, a raiz e a consumação da sua presença no mundo”. (4)

DOUTRINA DA IGREJA SOBRE A EUCARISTIA

Cristo vive e está, pois, de modo eminente na Eucaristia. Recordemos muito brevemente a doutrina da Igreja sobre este ponto.
A Eucaristia é o sacramento do Corpo e Sangue de Jesus Cristo sob as espécies do pão de trigo e do vinho de videira. A admirável conversão do pão no Corpo e do vinho no Sangue – chamada transubstanciação – realiza-se na Consagração da Santa Missa. A partir desse momento, embora permaneçam as aparências – “espécies” ou “acidentes” – do pão e do vinho, neles se contêm verdadeira, real e substancialmente o Corpo e o Sangue, a Alma e a Divindade do próprio Jesus Cristo Nosso Senhor, para nosso alimento espiritual.
A promessa da Eucaristia, como vimos, fê-la o Senhor na sinagoga de Cafarnaum. A instituição da Eucaristia foi feita por Jesus na Última Ceia: Tomai e comei, este é o meu corpo... Este é o meu sangue... O Senhor “instituiu o sacrifício eucarístico do seu Corpo e do seu Sangue para perpetuar assim o Sacrifício da Cruz ao longo dos séculos, até que volte, confiando deste modo à sua amada Esposa, a Igreja, o memorial da sua morte e ressurreição: sacramento de piedade, sinal de unidade, vínculo de caridade, banquete pascal, em que se come Cristo, em que a alma se cumula de graça e nos é dado um penhor da glória futura”. (5) São três, portanto, os eixos deste mistério, como pôs de relevo o Papa João Paulo II: Eucaristia-Sacrifício, Eucaristia-banquete e Eucaristia-presença (6).
Na Santa Missa, Jesus Cristo oferece-se por nós em sacrifício.
Recebe-se Jesus Cristo na Sagrada Comunhão.
Ele faz-se presente – real e verdadeiramente – a partir da Consagração. E essa admirável presença continua na Sagrada Eucaristia reservada no Sacrário: para ser dada em comunhão a quem peça, para ser levada aos doentes, para ser visitada e ser objeto de culto de suprema adoração por parte dos fiéis; para suscitar freqüentes desejos de recebê-lo e manifestar-lhe os nossos melhores sentimentos de gratidão.
Ao longo das próximas páginas, consideraremos o modo de viver melhor este último aspecto do grande Sacramento da nossa fé. Procuraremos assim contribuir com o nosso “grãozinho de areia” para que a vida cristã gire em torno da Sagrada Eucaristia já a partir destes primeiros anos do novo milênio.

  José Manuel Iglesias: Licenciado em Teologia e sacerdote, natural de Betanzos (La Coruña), onde compartilha seu trabalho pastoral com a dedicação ao ensino.

Fonte: Vida Eucarística, José Manuel Iglesias, Quadrante, 2005.
Tradução: Quadrante























quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Beleza tão antiga e sempre nova

Caros irmãos e irmãs, publicamos hoje um belo texto do Bispo de Santarém sobre a Beleza Litúrgica, antiga e sempre nova.


LITURGIA DA IGREJA CATÓLICA

Oportunas palavras do Bispo de Santarém levam-nos a refletir na beleza e profundidade da Liturgia. Mais do que isso, na força educadora e civilizadora dos seus ritos e símbolos.

 A Liturgia bem celebrada - com os ritos e gestos bem realizados, com os símbolos valorizados, o canto participado e adequado à assembleia - educa para o sentido da verdadeira beleza, ‘a beleza tão antiga e sempre nova' que Santo Agostinho descobriu em sua conversão. A beleza de Deus que resplandece no rosto de Jesus Cristo, que se reflete na Imaculada Mãe de Deus e que nos é comunicada pela graça. A beleza do amor que acolhe e partilha o sofrimento dos outros, a beleza da verdade e da justiça, a beleza da bondade e da pureza do coração."
Estas oportunas palavras foram proferidas por Dom Manuel Pelino Domingues, Bispo de Santarém (Portugal), em conferência na Semana Nacional da Educação Cristã, realizada nesse país em outubro de 2000.
Desenvolvendo o tema de que "a celebração do domingo educa para a beleza e a bondade", o douto Prelado apresentou o eloqüente testemunho de Leo Moulin, professor em várias faculdades da Europa e especialista em cultura da Idade Média:
"Cada domingo, uma multidão de camponeses cabeludos acomodava-se nos mais belos edifícios que a nossa civilização criou, desde a igreja românica, humilde e robusta, até os esplendores de Cluny: ‘casas do povo', como lhe chamavam na Itália. Ali, tinha sob os olhos os mais belos ornamentos, as mais belas imagens, os mais belos quadros, os mais belos objetos de culto que se conhecem. (...) Ouvia anunciar a palavra de Deus e elevar-se para o céu o canto gregoriano. Observava os gestos medidos e disciplinados do padre. Mesmo sem compreender o íntimo significado, conseguia perceber, embora com dificuldade, o valor do domínio de si, que é um dos sinais certos da cultura.
"Os tempos modernos construíram as massas (por razões que nada tinham a ver com a cultura), mas não as educaram.
As obras de gênio, que há um milênio tinham sido oferecidas generosamente aos olhos de todos, decoram agora palácios e salões. A arte religiosa entrou num longo período de decadência. Construíram-se museus, estes (necessários) cemitérios de arte, aos quais têm acesso só os privilegiados do dinheiro e da cultura" (Itinerário espiritual de um agnóstico, p. 51).
Dom Manuel Pelino tira deste depoimento oportuna conclusão:
"Este testemunho, tão profundo como esclarecido, convida-nos a rever a forma como celebramos a Liturgia do domingo, a linguagem que empregamos, o ambiente e arranjo dos templos que criamos. Não apenas a linguagem das palavras, mas a linguagem celebrativa dos ritos e dos símbolos, da palavra e do silêncio, da oração e do canto. A Liturgia bem celebrada faz apelo ao sentido de festa e de beleza, hoje mais desenvolvido nas pessoas. Pode tornar-se assim mais convidativa. (...) Não se trata de dar espetáculo, mas de tornar eloquente e significativa a linguagem da Liturgia: a luz, a água, as flores, o espaço, a cadeira, o altar, as procissões, a Palavra, a mesa, os gestos, o canto, o silêncio, etc."

(Revista Arautos do Evangelho, Nov/2004, n. 35, p. 50-51)















quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Reverência e adoração a Eucaristia


Dom Malcolm Ranjith Patabendige Don 
Secretário da Congregação para o Culto Divino


A firmeza, claridade e coerência do Magistério transparecem com força no prefácio escrito pelo secretário da Congregação para o Culto Divino para o livro "Dominus est - Reflexões de um bispo da Ásia Central sobre a Sagrada Comunhão", de Dom Athanasius Schneider, bispo de Karaganda (Casaquistão).

No livro do Apocalipse, São João narra como, tendo visto e ouvido o que lhe fora revelado, prostrava- se em adoração aos pés do Anjo de Deus (cf. Ap 22, 8). Prostrar-se ou pôr-se de joelhos ante a majestade da presença de Deus, em humilde adoração, era um hábito de reverência que Israel realizava sempre na presença do Senhor. [...] Encontra-se a mesma tradição também no Novo Testamento em que vemos ajoelhar-se diante de Jesus: Pedro (Lc 5, 8); Jairo, para Lhe pedir que cure sua filha (Lc 8, 41); o Samaritano, quando volta para agradecer-Lhe; e Maria, irmã de Lázaro, para pedir-Lhe o favor da vida para seu irmão (Jo 11, 32). No livro do Apocalipse (Ap 5, 8; 5,14; 19, 4), nota-se, em geral, a mesma atitude de prostração diante do assombro causado pela presença e revelação divinas.

Estava intimamente relacionada com esse costume a convicção de que o Templo Santo de Jerusalém era a casa de Deus e, portanto, era necessário adotar nele atitudes corporais que expressassem um profundo sentimento de humildade e reverência na presença do Senhor.

A prática de se ajoelhar em adoração à Eucaristia

Também na Igreja, a convicção profunda de que o Senhor está real e verdadeiramente presente nas Espécies Eucarísticas e o costume de conservar a Santa Comunhão nos tabernáculos contribuíram para o hábito de se ajoelhar em atitude de humilde adoração ao Senhor na Eucaristia .

Com efeito, a respeito da presença real de Cristo nas Espécies Eucarísticas, o Concílio de Trento proclamou: "No augusto Sacramento da Santa Eucaristia, depois da consagração do pão e do vinho, Nosso Senhor Jesus Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro Homem, está presente verdadeira, real e substancialmente, sob a aparência destas realidades sensíveis" (DS 1651) .

Além disso, São Tomás de Aquino havia já definido a Eucaristia como latens Deitas (Deus oculto). A Fé na presença real de Cristo nas Espécies Eucarísticas já pertencia, então, à essência da Fé da Igreja e era parte intrínseca da identidade católica. Claro estava que não se podia edificar a Igreja se essa Fé fosse prejudicada, mesmo em algum ponto mínimo.

Portanto, a Eucaristia, pão transubstanciado em Corpo de Cristo, e vinho em Sangue de Cristo, Deus em meio a nós, devia ser acolhida com admiração, máxima reverência e atitude de humilde adoração .

Atitudes que facilitam o recolhimento

Acompanhando esta tradição, é claro que se torna coerente e indispensável adotar gestos e atitudes do corpo e do espírito que facilitem o silêncio, o recolhimento, a humilde aceitação de nossa pobreza diante da infinita grandeza e santidade dAquele que vem ao nosso encontro nas Espécies Eucarísticas. O melhor modo de exprimir nosso sentimento de reverência para com o Senhor Eucarístico é o de seguir o exemplo de Pedro que, como narra o Evangelho, lançou- se de joelhos ante o Senhor e disse: "Afasta-Te de mim, Senhor, porque sou um pecador!" (Lc 5, 8).

Ora, nota-se como em algumas igrejas esse costume torna-se cada vez mais raro, e os responsáveis não só impõem aos fiéis receber em pé a Sagrada Eucaristia, mas, inclusive, tiraram todos os genuflexórios, obrigando os fiéis a permanecer sentados ou em pé, até mesmo durante a elevação das Espécies Eucarísticas, apresentadas para a adoração. É estranho que tais providências tenham sido tomadas pelos responsáveis da liturgia nas dioceses, ou pelos párocos, nas igrejas, sem qualquer consulta aos fiéis, embora hoje se fale mais do que nunca, em certos ambientes, de democracia na Igreja.



O modo de receber a Comunhão

Ao mesmo tempo, falando da Comunhão na mão, é necessário reconhecer que se trata de um costume introduzido abusiva e apressadamente em alguns ambientes da Igreja logo após o Concílio, alterando o secular costume anterior e tornando-se, em seguida, prática regular em toda a Igreja.

Justificava-se essa mudança argumentando que ela refletia melhor o Evangelho ou a prática antiga da Igreja. É verdade que se alguém recebe a Comunhão na língua pode também recebê-la na mão, sendo esses órgãos do corpo de igual dignidade.

Alguns, para justificar tal prática, recorrem às palavras de Jesus: "Tomai e comei" (Mc 14, 22; Mt 26, 26). Quaisquer que sejam as razões para sustentar esse costume, não podemos ignorar o que acontece, em nível mundial, onde ele é adotado. Ele contribui para um gradual e crescente enfraquecimento da atitude de reverência para com as sagradas Espécies Eucarísticas. O costume anterior, pelo contrário, preservava melhor este senso de reverência.


Seguiram-se uma alarmante falta de recolhimento e um espírito de generalizada distração. Vêem-se, agora, comungantes que frequentemente voltam aos seus lugares como se nada de extraordinário tivesse acontecido. Ainda mais distraídos se mostram as crianças e os adolescentes. Em muitos casos não se nota aquele senso de seriedade e silêncio interior que devem indicar a presença de Deus na alma.

O Papa fala da necessidade, não só de entender o verdadeiro e profundo significado da Eucaristia, mas também de celebrá- La com dignidade e reverência. Diz que é necessário estar consciente "dos gestos e posições, como ajoelhar- se durante os momentos salientes da Oração Eucarística" (Sacramentum Caritatis, 65). Além disso, tratando do recebimento da Sagrada Comunhão, convida todos a "fazer o possível para que o gesto, na sua simplicidade, corresponda ao seu valor de encontro pessoal com o Senhor Jesus Cristo no Sacramento" (Sacramentum Caritatis, 50).

Contributo à atual discussão sobre a Eucaristia

Nesta perspectiva, merece especial apreço o opúsculo escrito por S.Exa. Dom Athanasius Schneider, bispo auxiliar de Karaganda, no Casaquistão, sob o muito significativo título Dominus est. [...] Ele nos apresenta um excursus histórico-teólogico que esclarece como o costume de receber a Sagrada Comunhão na boca e de joelhos foi acolhido e vigorou na Igreja durante um longo período.

Creio que chegou a hora de avaliar a prática acima mencionada, de reconsiderá-la e, se necessário, abandonar a atual, que de fato não foi indicada nem pela Sacrosanctum Concilium nem pelos Padres Conciliares, mas foi aceita depois de sua introdução abusiva em alguns países. Hoje, mais do que nunca é necessário ajudar os fiéis a renovar uma Fé viva na presença real de Cristo nas Espécies Eucarísticas, para reforçar a própria vida da Igreja e defendê- la em meio às perigosas distorções da Fé que tal situação continua causando.

As razões para tal medida devem ser não tanto as acadêmicas, mas as pastorais - quer espirituais, quer litúrgicas; em suma, aquilo que edifica melhor a Fé. Neste sentido, Dom Schneider mostrou louvável coragem, pois soube entender o verdadeiro significado das palavras de São Paulo: "mas que tudo se faça de modo a edificar" (I Cor 14, 26).

(Revista Arautos do Evangelho, Maio/2008, n. 77, p. 38)