sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Vida Eucarística


Caros irmãos e irmãs, amar a Santa Liturgia é amar, em primeiro lugar, o Santíssimo Sacramento do Altar, por isso, trazemos hoje um excelente artigo sobre a Vida Eucarística.


Vida Eucarística: Cristo vive



Por José Manuel Iglesias


“Os milagres da multiplicação dos pães – quando o Senhor pronunciou a bênção, partiu e distribuiu os pães por meio dos seus discípulos para alimentar a multidão – prefiguram a superabundância deste pão único da sua Eucaristia” .
(Catecismo da Igreja Católica, n. 1335)

“Tens de conseguir que a tua vida seja essencialmente – totalmente! – eucarística”.
(São Josemaria Escrivá, Forja, n. 826)

Na sinagoga de Cafarnaum, Jesus conversa com a gente que veio ao seu encontro: Em verdade, em verdade vos digo: vós me buscais, não porque vistes os milagres, mas porque comestes dos pães e ficastes saciados (Jo 6, 26).
Se nos sentirmos protagonistas do peregrinar de Jesus pelos arredores do lago de Tiberíades, perceberemos que o milagre com que Ele alimentou mais de cinco mil pessoas com cinco pães de cevada e dois peixes é uma amostra do seu poder e do seu amor: em Jesus palpita o anelo de alimentar, ao longo da história, as multidões de fiéis que o procuram famintas do Pão da vida. O impacto da multiplicação dos pães e dos peixes foi forte. Reza assim ao Senhor o autor de Forja: “Senhor, se aqueles homens, por um pedaço de pão – embora o milagre da multiplicação tenha sido muito grande –, se entusiasmam e te aclamam, que não deveremos nós fazer pelos muitos dons que nos concedeste, e especialmente porque te entregas a nós sem reservas na Eucaristia?” (1)
Essa entrega imensamente amorosa do Senhor exige muita fé e muita graça de Deus: Ninguém pode vir a mim se o Pai, que me enviou, não o trouxer... (Jo 6, 44); e aquelas pessoas não entenderam o milagre do Mestre, que as tinha alimentado para que cressem nAquele que me enviou.
Mas que milagre fazes tu para que o vejamos e acreditemos em ti? (Jo 6, 29-30). Esqueceram bem depressa o entusiasmo que se apossara delas. Não se abriram com humildade ao Senhor... Fecharam-se nos seus preconceitos.

“DÁ-NOS SEMPRE DESSE PÃO!”

Mas quanto mais nós, os homens, nos encerramos nos nossos preconceitos e no esquecimento das coisas de Deus, mais Jesus nos mostra quem Ele é e o seu desejo de se dar em comida aos homens.
Os discípulos esquecem logo que também na véspera o tinham visto caminhar sobre o mar embravecido... E esquecem que o tinham ouvido gritar: Sou eu, não temais! Vence as leis físicas, domina por direito próprio os elementos. Pode andar por todos os mares tempestuosos da terra como “Aquele que é” (cfr. Êx 3, 13-15), como o dono, o amo, o Senhor. Pode vencer todas as incredulidades humanas. Pode salvar-nos a todos: SOU EU, Deus convosco! Por que temer?
Agora, na sinagoga, diz-lhes: Procurai não o alimento que perece, mas o alimento que permanece até à vida eterna (Jo 6, 27). E sem o pretenderem, são eles próprios quem provoca que Jesus prometa já abertamente a Eucaristia. Ufanos da sua tradição, introduzem no diálogo o tema do pão do céu, o maná – alimento que os seus antepassados recolhiam diariamente no deserto –, símbolo dos bens messiânicos; alusão que Jesus aproveita para apresentar-se como o Pão da vida. O maná era apenas uma figura: Moisés não vos deu o pão do céu; é meu Pai quem vos dá o verdadeiro pão do céu: porque o pão de Deus é o pão que desce do céu e dá a vida ao mundo (Jo 6, 32-33).
E também são eles que lhe pedem: Senhor, dá-nos sempre desse pão (Jo 6, 34).
Respondeu-lhes Jesus: Eu sou o pão da vida: aquele que vem a mim não terá fome, e aquele que vem a mim jamais terá sede. E nessa promessa eucarística surge o imutável EU SOU divino: EU SOU o pão que desci do céu (Jo 6, 35.41).
E volta a cegueira dos ouvintes: Murmuravam então dele os judeus, porque dissera: “Eu sou o pão que desci do céu” (Jo 6, 41). A essa cegueira responde Jesus com palavras reiterativas, terminantes e claras: Eu sou o pão..., a minha carne é vida do mundo... EU SOU, uma vez mais afirmado de um modo preciso e inquestionável.

“É A MINHA CARNE”

Quantas vezes nos mostram os Evangelhos esse EU SOU de Jesus! É desse modo que se designa o Nome de Deus no livro do Êxodo, quando Moisés pergunta ao Senhor como se chama: Eu sou aquele que é... Assim responderás aos filhos de Israel: EU SOU manda-me a vós (Êx 3, 14). É especialmente significativo que Cristo use essa expressão com tanta freqüência: Eu sou a luz do mundo (Jo 8, 12). Se não crerdes que eu sou, morrereis nos vossos pecados (Jo 8, 24). Quando levantardes ao alto o Filho do homem, então sabereis que eu sou (Jo 8, 28). Antes que Abraão nascesse, eu sou (Jo 8, 58). Desde agora vo-lo digo, antes que suceda, para que, quando suceder, creiais que eu sou (Jo 13, 19). E quando Caifás lhe perguntou: “És tu o Messias, o Filho de Deus bendito?”, Jesus disse: “Eu o sou, e vereis o Filho do homem sentado à direita do poder de Deus, vindo sobre as nuvens do céu” (Mc 14, 62). Então perguntaram todos: “Logo, tu és o Filho de Deus?” Respondeu-lhes: “Sim, eu sou” (Lc 22, 70). Textos que manifestam claramente que Jesus se identifica com Deus.
Aqui, no âmbito da promessa da Eucaristia, Jesus, EU SOU, Deus humanado, desvenda os desígnios do seu amor: quer permanecer entre os homens como alimento e vida das almas, sob a forma de pão: é a minha carne. Nessa ocasião, chega a repetir oito vezes a palavra comer, mostrando que se trata de uma realidade. Eis o que diz o teólogo Jean Galot:
“Se Cristo pôde dizer com toda a verdade Isto é a minha carne, é porque tinha um poder soberano sobre todas as coisas criadas, um poder capaz de transformar um ser em outro, de substituir uma realidade antiga por outra nova. Não somente era dono da sua existência, mas do próprio ser . Porém, o nome “Eu sou” não exprime apenas a plenitude do ser e a sua continuidade, o poder e a eternidade. Significa também uma presença . Presença é mais do que existência . Estar presente é existir para alguém, estar perto dele, diante dele. A presença está impregnada do calor de um amor. Também Yahveh, quando diz a Moisés Eu sou, comunica-lhe uma intenção amorosa: Eu serei, Eu estou contigo...
“Quando Cristo atribui a si próprio esse nome divino, fá-lo para mostrar a sua identidade de Filho de Deus, para afirmar a plenitude do ser que possui, a sua onipotência e a sua eternidade. Identifica-se com Deus de tal maneira que se deve crer nEle do mesmo modo que se crê em Deus... Com o Salvador, a eternidade do Eu sou entra plenamente na História humana, no tempo humano. Entra como uma presença oferecida aos discípulos, presença que os assiste em todos os momentos e de uma maneira indefectível”. (2)

 “NÃO HÁ NADA DE MAIS VERDADEIRO”

Quando, na véspera da sua morte, Jesus disser diante dos seus: Isto é o meu corpo... Este é o meu sangue (cfr. Mt 26, 26; Mc 14, 22; Lc 22, 19; 1 Cor 11, 25), usará as palavras no mesmo sentido em que disse: Quem comer a minha carne e beber o meu sangue permanecerá em mim e eu nele (Jo 6, 56). Para um semita, a palavra “carne” designa o corpo vivo, quer dizer, a pessoa toda que se torna presente nesse corpo vivo. Quando Jesus diz: Esta é a minha carne, indica a presença de todo o seu “Eu”: corpo vivo, alma e divindade. “O que o Verbo assumiu, nunca mais o deixou”: é um princípio teológico que nos diz que a alma e a divindade de Cristo estão indissoluvelmente unidos ao seu Corpo.
As palavras reiterativas de Jesus: comer o meu corpo..., beber o meu sangue... foram entendidas pelos judeus de um modo tão realista que se fez um silêncio terrível quando as pronunciou na sinagoga de Cafarnaum: pensaram que se tratava de uma espécie de antropofagia. Desconcertados, cravam o olhar em Jesus e depois dão rédea solta à ironia: Os judeus começaram a discutir, dizendo: Como pode este homem dar-nos a comer a sua carne? (Jo 6, 52).
Por fim, estala o tumulto e ouvem-se vozes incrédulas: Duras são estas palavras! Quem as pode ouvir? (Jo 6, 60). E acabam por ir-se embora: Desde então, muitos dos seus discípulos se retiraram e já não andavam com ele (Jo 6, 66).
A passagem da promessa da Eucaristia finaliza com uma afirmação de Pedro: Senhor, tu tens palavras de vida eterna! (Jo 6, 68). Das palavras que se dizem a mandado do Senhor na Consagração: Isto é o meu corpo..., Este é o meu sangue, dirá São Tomás de Aquino: “Nihil hoc verbo veritatis verius” – “nada há de mais verdadeiro que estas palavras de verdade”.
“Este é o Eu sou que se nos entrega na Missa. Se pensarmos que Jesus fez a sua afirmação mais solene precisamente na véspera da sua Paixão, compreenderemos melhor que essa afirmação esteja na base do sacrifício eucarístico. Quando a oferenda do Calvário se torna novamente atual, apóia-se na atualidade do Eu sou.
“Na fórmula da Consagração – Isto é o meu corpo –, aflora a soberania do Eu sou. Existe um mistério do ser na Consagração, mistério da transformação de um ser em outro, mistério da existência de Cristo sob as aparências do pão .
“A Missa é por excelência o momento e o lugar da presença divina neste mundo. Vem eternizar a nossa vida humana submetida ao desgaste do tempo. A Missa é a nova irrupção no humano do ser divino, que cada dia torna o universo e a humanidade mais parecidos com Ele.
“Pela Missa, a presença divina invade mais e mais o meio humano e até o mundo material. Encaminha o universo para o termo da sua evolução, a fim de que nesse estágio final Deus possa ser tudo em todos (1 Cor 15, 28)”. (3)

“ELE ESTÁ AÍ E TE CHAMA!”

Cristo presente na Eucaristia não é diferente daquele que aparece no Evangelho, irradiando o bem, fazendo-se querer, demonstrando-nos quanto nos ama, ganhando a intimidade de cada coração. Os encontros pessoais narrados pelo Evangelho prosseguem com cada vinda do Senhor aos nossos altares. Quando diz a Marta: Uma só coisa é necessária (Lc 10, 42), diz-nos o mesmo do fundo do Sacrário: “Só Deus basta”. Quando Pedro lhe observa no Tabor: Como é bom estarmos aqui! (cfr. Mt 17, 4; Mc 9, 5; Lc 9, 33), exprime um sentimento que bem pode ser o nosso diante da sua presença na Eucaristia, não menos real que na Transfiguração. E no convívio com os nossos colegas e amigos, temos de saber dizer-lhes, de maneira apropriada a cada caso: O Senhor está aí e te chama (Jo 11, 28). E quando notarmos que as multidões têm fome de paz, de justiça, de felicidade, é porque nos dizem, como os gregos que se aproximaram de Filipe: Queremos ver Jesus (Jo 12, 21), e temos de levá-los até onde Ele está: até o sacramento da Eucaristia.
O “rosto humano de Deus” que aparece em todas as páginas do Evangelho é o mesmo que, com “cara de pão”, derrama bondade na Missa e a irradia de cada Sacrário. Se durante a sua existência passou fazendo o bem (At 10, 38), também agora, como há dois mil anos, nos mostra o seu coração acolhedor, discreto, delicado. E, mais em silêncio e escondido, anima-nos a procurá-lo com a humilde confiança daquele leproso que lhe pedia: Senhor, se quiseres, podes limpar-me (Mt 8, 2). Ou a repetir-lhe com os meninos hebreus: Bendito o que vem em nome do Senhor! (Mt 21, 9). Ou a dizer-lhe com a fé do cego Bartimeu: Jesus, Filho de Davi, tem compaixão de mim! (Mc 10, 47), e Senhor, faz com que eu veja! (Mc 10, 51).
Ou, se nos sentimos secos e de alma muda, e sem saber que dizer-lhe, nem que agradecer-lhe, pedimos-lhe como o outro discípulo: Senhor, ensina-nos a orar (Lc, 8, 44). Ou imploramos como os Apóstolos: Aumenta-nos a fé! (Lc 17, 45). Ou manifestamos singelamente, com a confiança robustecida daquele pai que suplica a cura do seu filho: Creio, Senhor, mas vem em ajuda da minha incredulidade (Mc 9, 24). Ou rogamos em uníssono com Marta e Maria: Senhor, aquele que amas está doente (Jo 11, 3). Ou confessamos com o coração contrito e compungido, como Pedro às margens do lago de Tiberíades, recordando-se da sua tríplice negação: Senhor, tu sabes tudo. Tu sabes que eu te amo! (Jo 21, 17).
Como agradará ao Senhor, sempre que estejamos diante do Santíssimo Sacramento ou depois de comungarmos na Missa, que – com a humildade, confiança, fé, contrição e simplicidade de novos leprosos, cegos ou doentes que somos – lhe falemos como fizeram os personagens do Evangelho! Ele é o mesmo daquele tempo... e nós tão miseráveis ou mais que eles! “A presença de Jesus vivo na Hóstia santa é a garantia, a raiz e a consumação da sua presença no mundo”. (4)

DOUTRINA DA IGREJA SOBRE A EUCARISTIA

Cristo vive e está, pois, de modo eminente na Eucaristia. Recordemos muito brevemente a doutrina da Igreja sobre este ponto.
A Eucaristia é o sacramento do Corpo e Sangue de Jesus Cristo sob as espécies do pão de trigo e do vinho de videira. A admirável conversão do pão no Corpo e do vinho no Sangue – chamada transubstanciação – realiza-se na Consagração da Santa Missa. A partir desse momento, embora permaneçam as aparências – “espécies” ou “acidentes” – do pão e do vinho, neles se contêm verdadeira, real e substancialmente o Corpo e o Sangue, a Alma e a Divindade do próprio Jesus Cristo Nosso Senhor, para nosso alimento espiritual.
A promessa da Eucaristia, como vimos, fê-la o Senhor na sinagoga de Cafarnaum. A instituição da Eucaristia foi feita por Jesus na Última Ceia: Tomai e comei, este é o meu corpo... Este é o meu sangue... O Senhor “instituiu o sacrifício eucarístico do seu Corpo e do seu Sangue para perpetuar assim o Sacrifício da Cruz ao longo dos séculos, até que volte, confiando deste modo à sua amada Esposa, a Igreja, o memorial da sua morte e ressurreição: sacramento de piedade, sinal de unidade, vínculo de caridade, banquete pascal, em que se come Cristo, em que a alma se cumula de graça e nos é dado um penhor da glória futura”. (5) São três, portanto, os eixos deste mistério, como pôs de relevo o Papa João Paulo II: Eucaristia-Sacrifício, Eucaristia-banquete e Eucaristia-presença (6).
Na Santa Missa, Jesus Cristo oferece-se por nós em sacrifício.
Recebe-se Jesus Cristo na Sagrada Comunhão.
Ele faz-se presente – real e verdadeiramente – a partir da Consagração. E essa admirável presença continua na Sagrada Eucaristia reservada no Sacrário: para ser dada em comunhão a quem peça, para ser levada aos doentes, para ser visitada e ser objeto de culto de suprema adoração por parte dos fiéis; para suscitar freqüentes desejos de recebê-lo e manifestar-lhe os nossos melhores sentimentos de gratidão.
Ao longo das próximas páginas, consideraremos o modo de viver melhor este último aspecto do grande Sacramento da nossa fé. Procuraremos assim contribuir com o nosso “grãozinho de areia” para que a vida cristã gire em torno da Sagrada Eucaristia já a partir destes primeiros anos do novo milênio.

  José Manuel Iglesias: Licenciado em Teologia e sacerdote, natural de Betanzos (La Coruña), onde compartilha seu trabalho pastoral com a dedicação ao ensino.

Fonte: Vida Eucarística, José Manuel Iglesias, Quadrante, 2005.
Tradução: Quadrante























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